Home-office: as empresas e a busca pelo modelo perfeito
'Un homme seul est toujours en mauvaise compagnie'[Um homem só está sempre em má companhia] (1)
Em artigos anteriores, defendendo o teletrabalho ou home-office, eu afirmei que “nem tudo são flores no caminho do home-office e todos os aspectos devem ser ponderados: sociais, organizacionais e principalmente aspectos legais.” (2)
Os aspectos sociais não podem ser desprezados pelas organizações. Quaisquer regras empresariais, normas e ações internas de teletrabalho devem levar em consideração a necessária socialização dos indivíduos. “As pessoas não podem estar e nem existir sem os sistemas sociais, e vice-versa.” (3)
Sob à óptica da socialização, equivoca-se quem utilizar os parâmetros de isolamento determinados pela doença Covid-19 para avaliar a aderência negativa ou positiva das pessoas ao teletrabalho.
Indivíduos satisfeitos podem mudar de ideia com o tempo e insatisfeitos também.
Insatisfeitos estão sob um cadinho de emoções e podem mudar de opinião quando voltarem às relações sociais “normais”, principalmente afetivas e de entretenimento, com o fim do isolamento.
Embora apenas alguns setores dos negócios possam adotar o teletrabalho, parcial ou integralmente, percebe-se um consenso de que as organizações deverão disponibilizar essa nova forma de relação com seus colaboradores.
Pesquisa que fizemos em nossa empresa mostrou que apenas 4% dos colaboradores desejam trabalhar sempre presencialmente. A maioria esmagadora, 73%, gostaria de uma forma híbrida e 23% preferiram o home-office integral. Há de se considerar os casos onde os ambientes domésticos são inadequados, ainda que temporariamente, por quaisquer motivos.
A forma presencial e a híbrida podem ser adotadas somente nos locais onde a organização mantenha unidades físicas, mas podem ser uma boa solução para minimizar os problemas da socialização no ambiente corporativo.
Manter o espírito corporativo, uma rede de comunicação fechada, que integra a pessoa num sistema organizacional diferenciado, com metas e objetivos, é fundamental para o sucesso da empresa. Na interação presencial, o espírito corporativo tende a ser natural, ao contrário da interação a distância.
Os gestores devem ser criativos para manutenção da chama corporativa acesa e não há uma receita única para o sucesso do teletrabalho nesse quesito. Independente da forma e do grau de adoção do home-office, gestores devem encontrar fórmulas adequada às características de suas organizações. As técnicas podem passar por modelos tradicionais ou diferenciados, inovadores. Com o tempo, haverá condensações de modelos que deram certo e a generalização deles no mercado.
O teletrabalho traz desafios adicionais para a gestão de pessoas sob o ponto de vista da socialização corporativa.
A tecnologia que permite o afastamento também permite um tipo novo de socialização e inclusão, em alguns casos com mais eficiência e eficácia. Softwares simulam pessoas trabalhando lado a lado, facilitando o contato, com salas de reuniões virtuais acessíveis, de forma mais simples e rápida, se compararmos com os encontros pessoais tradicionais. Ligar as câmeras deveria ser uma recomendação. Pessoas gostam de ver pessoas.
Uma empresa é um sistema de comunicação.
A tecnologia permite formas variadas de incremento dessa forma de operação.
Sem o home-office, as empresas já adotavam largamente meios generalizados de comunicação a distância.
Com o teletrabalho, novos modelos e formas de utilização desses meios tradicionais de comunicação devem ser criados. Outras formas poderão surgir por conta de oportunidades e necessidades. Não há limite para inovações nessa área.
As irritações são constantes na relação das organizações com seu ambiente. Gestores devem lidar com a complexidade interna de suas organizações e com a complexidade das relações com um entorno instável e sem forma definida.
Um ambiente instável, mas conhecido, muda radicalmente quando menos se espera. “Estabilidade é sempre a mistura muito particular entre, de um lado, durabilidade do possível e, de outro, reprodução temporal das formas que possibilitam a reprodução das possibilidades.”(4)
As mudanças vêm em ondas que podem ser arrasadoras.
Cada organização, à sua maneira, deverá estar adaptada ao entorno, lidando com sua própria complexidade.
Esse relacionamento com o entorno que a contém leva-a numa “deriva estrutural”. Há “[...]um curso que se produz, momento a momento, nas interações do sistema e suas circunstâncias.” (5)
O entorno é um mar e a organização um pequeno barco, que semelhante a um processo cibernético, está constantemente tentando diminuir a distância entre o propósito estabelecido e a realidade que se impõe.
(1) VALÉRY, Paul apud LUHMANN, Niklas. Teoria dos sistemas na prática: vol. I, estrutura social e semântica; editado: Leopoldo Waizbort; tradução: Patrícia da Silva Santos. Petrópolis : Vozes, 2018, p. 182.
(2) NEM TUDO SÃO FLORES NO CAMINHO DO HOME-OFFICE. Disponível em: < http://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24668&TITULO=nem-tudo-s-o-flores-no-caminho-do-home-office >. Acesso em: jun. 2020.
HOME-OFFICE: OS TABUS DESABAM E A REALIDADE SE IMPÕE. Disponível em:< https://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24918&TITULO=home-office-os-tabus-desabam-e-a-realidade-se-imp-e>. Acesso em: jul. 2020.
(3) LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas; tradução : Ana Cristina Arantes Nasser. 3 ed. Petrópolis : Vozes, 2011, p. 283.
(4) Ibidem, p. 235.
(5) MATURANA, Humberto R. Cognição, ciência e vida cotidiana; organização e tradução : Cristina Magro e Victor Paredes. Belo Horizonte : UFMG, 2001, p. 81.
Artigo publicado no Noticenter em 12/08/2020 - <https://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=25051&TITULO=home-office-as-empresas-e-a-busca-pelo-modelo-perfeito>