O home-office e a rocambolesca história do argentino no Canadá
Publicado em 10/12/2021

O home-office e a rocambolesca história do argentino no Canadá

Eu não sei se você sabia, mas temos uma novidade no pedaço: quem decide se o home-office será ou não adotado em definitivo e qual será o modelo ideal, não são as empresasmas sim os indivíduos.

Não que os funcionários possam determinar diretamente que a empresa tenha que criar uma política ou como ela deva ser, mas a empresa será forçada à adoção de um sistema que leve em conta a herança dos tempos de pandemia.

Na linguagem sistêmica, a empresa como um sistema autopoiético terá que se adaptar a um entorno que se modificou.

Desde o início da pandemia de Covid-19 eu tenho escrito alguns artigos sobre o Teletrabalho, (1) modalidade adotada rapidamente por algumas empresas que nunca haviam cogitado tal medida, ou que, quando cogitada, por quaisquer motivos, nunca havia sido implementada.

As empresas sem experiência com a modalidade home-office, no afã, no calor do momento, acabaram realizando o processo de forma até um pouco imprudente, pois a ideia seria num futuro muito próximo, retornar tudo ao normal, bem como estarem amparadas por um período legal excepcional.

O fato é que o período foi mais longo do que o esperado e algumas surpresas estavam reservadas...

Engana-se o gestor que pensa que poderá tomar a decisão de retorno ao trabalho presencial sem prejuízo para o negócio, se não ouvir seus colaboradores.

E por que isso está ocorrendo?

Para responder à essa questão, de forma ilustrativa, me inspiro num vídeo denominado Um argentino no Canadá” (2), que apesar de meus spoilers, recomendo que todos vejam, pois é bastante divertido.

Retirei os textos abaixo - (apenas parte deles, com pequenos ajustes) – das legendas do próprio vídeo e vou intercalar com textos meus, adaptados, para explicar o motivo pelo qual as empresas estão a reboque dos colaboradores na questão da adoção ou não do home-office de forma definitiva, independente do modelo que será adotado.

Diário de um Argentino, nascido em Santa Fé, que se mudou para Toronto, no Canadá:

12 de agosto - Hoje finalmente mudei para minha casa nova em Toronto. Que paz que há aqui. Que campos verdes. Estou impaciente para ver as colinas cobertas de neve. Foi ótimo ter abandonado o calor, a humidade e os mosquitos. Isso sim é que é vida.

Diário de um colaborador que finalmente deixa o isolamento social e a necessidade de home-office e volta para a empresa:

Hoje finalmente voltei a trabalhar presencialmente. Que beleza reencontrar as pessoas, o meu chefe, tomar cafezinho com os colegas. Estou impaciente para participar de reuniões presenciais novamente, viver o clima de camaradagem.

Finalmente nevou, o Argentino está feliz:

12 de dezembro - A noite nevou. Que alegria. Acordei com tudo coberto de neve. Parecia um cartão postal. Sai para brincar na neve. Eu estava tão contente que rolei nela. Depois fizemos guerra de neve com os nossos vizinhos. Que lindo é viver aqui. O carro limpa-neve passou limpando a rua. Eu tive que limpar outra vez a entrada da casa. Como sou feliz.

O colaborador que retornou ao trabalho presencial também está feliz:

Finalmente reencontrei os colegas de trabalho, rimos, nos divertimos e tudo estava perfeito. Inclusive tivemos nossa primeira reunião presencial. Que alegria, todos alegres, foi ótimo ter abandonado o ZOOM, as câmeras, os problemas de internet. Claro que tivemos que nos acostumar novamente com alguns detalhes chatos. Como sou feliz.

Bem, nevou novamente em Toronto, cidade em que mora o Argentino:

22 de dezembro - Nevou de novo a noite. Quando terminei de limpar, o carro limpa-neve passou e jogou neve suja na entrada da casa. Estou um pouco cansado de limpar a neve. Hoje falei pelo fone com meu primo em Santa Fé e ele ia com a família para a praia de Guadalupe.

25 de dezembro - Feliz natal. Aqui não para de cair essa *%$# (3) branca. Tenho as mãos cheias de calos por culpa da pá. Acho que o *%$# do carro limpa-neve me vigia, e assim que termino, ele volta e joga a neve na entrada de novo. *%$# do carro limpa-neve e que vá para *%$# o *%$# que o dirigia.

O colaborador já está na quarta reunião presencial:

A reunião de hoje foi muito chata. Pelo menos por internet as reuniões eram mais práticas, mas rápidas e eu não precisava ficar do lado de alguém que eu acho muito inconveniente.

Além disso, vir para a empresa, enfrentar trânsito e engarrafamento, e ter que aguentar alguns colegas sem noção me fazem perder a paciência. Já nem produzo tanto, em comparação com a calmaria que eu sentia em minha casa.

Bem, a neve é bonita, mas para quem vive no dia a dia:

02 de março - Escorreguei na neve e quebrei a perna. Depois o limpa-neve passou e tenho neve até no *%$#. Quero vender a casa para poder ir a *%$#.

O colaborador já se questiona:

Trabalhando em casa eu não precisava sair tão cedo, me preocupar muito com o que iria vestir, enfrentar o trânsito, o metrô, o ônibus, correr riscos, perder tempo em engarrafamentos... eu até tinha voltado a ter mais tempo para a família e para o meu hobby... Será que compensa ir todo dia para a empresa? Até é legal ir lá algumas vezes, mas todo dia não me parece razoável... a falta que eu sentia dos colegas não compensa esse esforço diário...

O Argentino finalmente está feliz, novamente:

15 de maio - Hoje, enfim, vendi a casa a um canadense *%$#. Na verdade, só os *%$# vivem nesta *%$# de terra fria e solitária. Amanhã volto para Santa Fé. Não vejo a hora de chegar e desfrutar a humidade, o calor e os mosquitos. [...] Isso sim é que é vida.

O colaborador pensou melhor:

Até que foi bom rever os amigos... Ir lá na empresa de vez em quando é muito legal, mas que bom que voltei para casa... Nada como trabalhar em casa... lar doce lar...

Após a experiência do home-office “forçado”, os profissionais já têm dúvidas se realmente desejarão retornar à velha fórmula batida do trabalho presencial.

Flexibilidade

Durante a construção de nossa política de Teletrabalho, fizemos uma pesquisa interna e o resultado foi que apenas 4% dos colaboradores gostariam de voltar ao trabalho presencial, 23% gostariam do home office integral, e a esmagadora maioria, 73%, preferiam uma forma híbrida; um período presencial e um período em home-office. Essa fórmula flexível, já apelidada de “híbrida”, parece ser a ideal, tanto para aquelas empresas que já defendiam o home-office, quanto para aquelas que eram radicalmente contra. Essa fórmula, entendo, acomoda bem os interesses dos colaboradores, das empresas que eram radicalmente contra e daquelas que já adotavam ou aceitavam essa modalidade.

Para os profissionais que preferem a forma híbrida, ou seja, presencial e home-office, o que ainda não é consenso é a quantidade de dias presencialmente e a quantidade de dias em teletrabalho.

Essa definição, parece que não virá das organizações, mas será definida pelos colaboradores, individualmente, sem que sejam fixadas regras específicas; flexibilidade será a palavra de ordem a ser adotada nesse quesito. As organizações deverão se preparar para esse novo tipo de controle, ainda que existam prescrições legais e a flexibilidade deva levar isso em conta. Como adequar o tamanho das áreas físicas a essa nova realidade? Como cada profissional pode agendar e escolher os períodos em que deseja ficar presencialmente e em teletrabalho? Essas questões se ajustarão normalmente.

Agora que as pessoas podem efetivamente comparar os prós e os contras, os pontos positivos e os pontos negativos, de se trabalhar em casa, decidirão qual é a melhor modalidade; independentemente do que a empresa determinar.

Aquelas empresas que insistirem no modelo presencial, sem opção de home-office, terão dificuldades em manter alguns de seus colaboradores. Obviamente há aqueles colaboradores que, por quaisquer razões, irão preferir a modalidade presencial, mas ao final é uma decisão única e exclusiva do indivíduo e não da empresa.

As empresas não poderão obrigar uma modalidade ou outra, pois quem decidirá o que é melhor para eles, são os indivíduos. Os indivíduos têm agora um novo parâmetro para se decidirem por uma empresa: a adoção do Teletrabalho. Em outras palavras, se a empresa não criar uma política de Teletrabalho, perderá aqueles colaborares que desejam permanecer em casa. As empresas correm o risco de perder importantes talentos caso se mantenham inflexíveis quanto à adoção do home-office.


Artigo publicado no Noticenter em 10/12/2021 - <https://www.noticenter.com.br/n.php?ID=29322&T=o-home-office-e-a-rocambolesca-historia-do-argentino-no-canada>

(1) NEM TUDO SÃO FLORES NO CAMINHO DO HOME-OFFICE. Disponível em: <http://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24668&TITULO=nem-tudo-s-o-flores-no-caminho-do-home-office >. Acesso em: jun. 2020.

HOME-OFFICE: OS TABUS DESABAM E A REALIDADE SE IMPÕEDisponível em:<https://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24918&TITULO=home-office-os-tabus-desabam-e-a-realidade-se-imp-e>. Acesso em: jul. 2020.

HOME-OFFICE: AS EMPRESAS E A BUSCA PELO MODELO PERFEITO. Disponível em: <https://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=25051&TITULO=home-office-as-empresas-e-a-busca-pelo-modelo-perfeito>. Acesso em: nov. 2020.

HOME-OFFICE E A INSEGURANÇA DA INFORMAÇÃO. Disponível em: < https://www.noticenter.com.br/n.php?ID=25804&T=home-office-e-a-inseguran-a-da-informa-o>. Acesso em: dez. 2021.

(2ARGENTINO NO CANADÁ. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WJERYQ-Fpbc>. Acesso em: dez. 2021.

(3) Substituo os palavrões por “*%$#”.

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